colab
Obesidade em perspectiva: Informação contra a discriminação
Os estereótipos e preconceitos sobre uma doença com altas taxas de mortalidade e carente de legitimidade nos círculos sociais

Ana às vésperas da sua cirurgia
Crédito: Arquivo pessoal
“Minha casa não tem espelhos, ou melhor, ainda não tem!” Uma casa sem espelhos parece algo impensável, não ter um espelho no banheiro para se olhar enquanto escova os dentes, ou um daqueles que mostra o corpo todo, para dar uma conferida no look antes de sair de casa chega a gerar estranheza. Para Ana Luísa Torres, de 32 anos, essa é a realidade, algo que segundo ela não foi encarado como um problema até a sua primeira sessão de terapia.
Ana é paciente bariátrica em recuperação de um quadro de obesidade mórbida, ela também é parte de uma estatística preocupante no Brasil, de acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS, 2020), mais da metade dos adultos brasileiros na atualidade apresenta excesso de peso, são 96 milhões de pessoas, isso representa 60,3% da população do Brasil, com maior prevalência entre as mulheres: 62,6% das mulheres brasileiras estão acima do peso, enquanto 57,5% dos homens se encontram nesta situação.
Ana Luísa viu seus quilos na balança aumentarem gradativamente enquanto enfrentava o divórcio de um casamento que durou nove anos, com um filho pequeno e sem uma carreira. Renunciou dos cuidados pessoais para dar conta do perrengue de ser mãe solo. Cansada, sobrecarregada e em depressão, alcançou os 132 quilos somados a um problema de coluna, diabetes e hipertensão. Ouvia comentários como “é só fechar a boca”, “esse peso é tua culpa, não se cuida”, “se fosse mais caprichosa, estava em forma”, “quem vai cuidar do teu filho quando tu não conseguir mais” entre tantos outros que só faziam a depressão e a compulsão alimentar piorarem.
A depressão como um potencializador da obesidade é uma das abordagens do filme The Whale (A Baleia, 2022) dirigido por Darren Aronofsky, onde o personagem Charlie, interpretado por Brendan Fraser, passa por um processo de luto que o leva aos 272 quilos. Segundo a psicóloga Tâmala Ramos, especialista em pacientes bariátricos, a depressão não é uma causa para a obesidade, mas um fator importante a ser considerado.

Pôster de divulgação A Baleia
“Existem pontos na vida do Charlie que contribuíram (para a obesidade), não foi uma causa, mesmo a questão do luto contribuiu, porque a obesidade não tem uma causa única, se a causa da obesidade fosse a depressão, todas as pessoas do mundo que passaram por depressão seriam obesas, no caso do Charlie foi a depressão associada a outras questões como o luto, o isolamento social, a compulsão alimentar entre outros fatores físicos, por isso que pessoas que possuem a depressão, mas não possuem outras associações, não engordam, ou seja, apenas a depressão não define causa para obesidade, mas é um ponto central em grande parte dos casos.”
Segundo estudos da Organização Mundial da Saúde (OMS), 30% dos 600 milhões de obesos que buscam tratamentos para emagrecer no mundo têm depressão ao longo da vida. Estudos do Centro Especializado em Obesidade e Diabetes do Hospital Alemão Oswaldo Cruz indicam que as duas patologias, depressão e obesidade, possuem uma elevada relação.
No caso de Ana Luíza, a depressão foi associada à compulsão alimentar. Questionada, a psicóloga Tâmala explicou que existem duas formas de a ansiedade ser descontada nos alimentos, a compulsão alimentar e a regulação emocional através da comida. A compulsão alimentar é o comer até passar mal ou misturar alimentos, caraterizado em The Whale por uma cena clássica onde o Charlie come pizza, pão, barrinha de cereal, tudo muito rápido e sem controle, até que passa mal. A regulação emocional através da comida é caracterizada por uma frase clássica, “tive um dia péssimo, mereço um docinho”, ocorre quando o paciente desconta no alimento as suas frustrações, “come para se sentir melhor”, explica a profissional.
No filme, Charlie recusou tratamento, na vida real, Ana Luíza decidiu buscar ajuda com terapia, acompanhamento médico e a Cirurgia Bariátrica. Com o apoio de uma equipe multidisciplinar ela se submeteu ao método by-pass gástrico em dezembro de 2022, trata-se de uma cirurgia laparoscópica (minimamente invasiva), que consiste em fazer um desvio do estômago direto para o intestino, reduzindo sua capacidade de receber alimentos, e hoje está em plena recuperação, comemorando os seus 92 quilos.
Ana comentou que quando decidiu pela cirurgia, foi questionada por escolher o método mais fácil, novamente, o julgamento externo a trouxe consequências que quase a fizeram desistir do tratamento. Ela explica que não é bem assim.
“A cirurgia não é fácil, passamos por avaliação de pelo menos cinco médicos, psicólogo, nutricionista, endocrinologista, cardiologista e cirurgião no meu caso. Precisamos da aprovação destes profissionais para considerar a cirurgia, também fiz uma bateria extensa de exames, um pré-operatório rígido e um pós-operatório ainda mais restritivo. Estou há pelo menos seis meses sem doces, sem álcool, sem frituras, o esforço é contínuo, tomo medicação, tenho que fazer academia. A diferença é que eu tenho um objetivo e pude contar com a cirurgia para me auxiliar. A terapia também é necessária, assim como a academia, a terapia é fundamental, senão desanda tudo.”
Ana comenta que, na contramão de toda a luta que ela enfrenta em busca de saúde e qualidade de vida, as redes sociais tinham um peso muito grande sobre os preconceitos que ela tinha com sua aparência, “vai desde roupas que aparecem em modelos lindas até influenciadoras que acabaram de ganhar bebê e já estão com corpos lindos”, segundo ela, a comparação foi inevitável e lhe causou sofrimento em diversas situações.
“Eu lembro de dias em que eu estava voltando do trabalho no ônibus cansada, planejando a janta e a rotina do meu filho e abria o insta para passar o tempo, apareciam as moças malhando no meio da manhã em uma roupa linda com um dia ensolarado, eu ficava desesperada porque eu não tinha onde encaixar uma academia, hoje eu consigo ir depois 22h, mas não é fácil. Custou até eu entender que aquela não era a minha realidade e que eu não tinha como me comparar com aquela vida. Eu sofri muito até cair essa ficha”.
Este desserviço que muitas vezes ocorre nas redes sociais, é um dos temas da influenciadora Luana Kanitz, ela tem uma conta no Instagram, a @lu.autoestima, voltada para a autoestima e autoaceitação e criou o lema “Se eu aceito a mulher que eu sou, ninguém mais precisa me aceitar.” Ela conta que as redes sociais são manipuláveis e essa manipulação por vezes discreta, gera insegurança e dificuldade de aceitação.
“Antes de me aceitar e gostar de mim mesma, eu vivia me comparando com os corpos “perfeitos” que eu via no Instagram. Hoje eu tenho a consciência e passo isso para as minhas seguidoras, de que as pessoas escolhem o que vão postar: o melhor ângulo, pose, iluminação e muitas vezes com edição, edições tão sutis que ficam imperceptíveis. Então o que a gente vê não corresponde à realidade daquela pessoa, ali está apenas 1%, por isso é muito injusto nos compararmos.”
Leia Também:
Créditos:
Reportagem: Mariana Weber
Fotos: arquivo pessoal
Edição: Bryan Moura, Rayssa Mossatti
Professora responsável: Michelle Raphaelli